Fonte: Revista Isis
A figura do andrógino, metade homem, metade mulher, é hoje uma aberração. Assim como para muitos o é o nascimento de siameses, hermafroditas ou até mesmo a
opção homo ou bissexual de alguém.

Na Antiguidade, porém, o andrógino sempre significou a fusão de opostos e, em um caráter mais físico, a conjunção dos sexos.
Portanto, estudar sobre o andrógino primitivo é percorrer caminhos os mais variados. Ora estamos no terreno mitológico, ora em busca de explicações científicas. Independente de qualquer caminho tomado, a figura do andrógino quer, todo o tempo, nos falar de Amor.
"Parece-me que os homens absolutamente não se dão conta do poder do amor", diz Aristófanes no Banquete, de Platão. Este, diz que Eros, o primeiro dos deuses, tinha ambos os sexos e deixa que o tema seja exposto por Aristófanes. Diferente de hoje, havia três gêneros: o macho, a fêmea e o andrógino. Sua rebeldia contra o Olimpo gera a história da separação.
"Ameaçaram os imortais de levar ao Olimpo o tumulto da guerra impetuosa (...)", vê-se na Odisséia, de Homero. Zeus se pergunta se será preciso tolerar sua insolência ou fulminá-los e perder assim as honras e oferendas que vêm deles? Após longa reflexão, decide torná-los mais fracos. "Vou cortar cada um deles pela metade. Assim ficarão mais fracos, e ao mesmo tempo terão mais para nos oferecer, já que seu número terá aumentado. Andarão eretos sobre suas duas pernas".
Zeus torna a ameaça-los com um novo corte que os fariam andar em um pé só, se não se mantivessem tranquilos. Cortados ao meio, os homens têm ajuda de Apolo que fica encarregado de virar seus rostos e esticar sua pele sobre o ventre deixando só uma abertura - o umbigo - para que se lembrem do ocorrido.
O homem, então, saudoso de sua metade, empreende uma busca por ela, desejando tornar-se novamente um único ser. Assim, os que eram homens buscam uma metade de homem, os que eram mulheres buscam uma metade mulher (e, usando o mito, são para os psicólogos e sexólogos, estes dois primeiros, os homossexuais) e, os que eram andróginos, se são agora a metade mulher, procuram sua metade homem e se são a metade homem, procuram a metade mulher. Cada um procurando unir-se à sua metade original e voltar a ser o que era.
"Aqueles seres, que passam toda sua vida um com o outro, são pessoas que não poderiam sequer dizer o que esperam um do outro; ninguém pode crer, de fato, que seja o gozo amoroso, e imaginar que tal é a razão de sua alegria e de seu grande empenho em viver lado a lado. É outra coisa evidentemente, que quer a alma de cada um, uma coisa que ela não pode exprimir, mas torna-se o que quer e o deixa obscuramente entender".
A partir da história contada por Aristófanes onde se explica a atração particularmente forte do homem pela mulher, da mulher pelo homem e até das mulheres e dos homens entre si, Fernand Comte, autor de Os heróis míticos e o homem de hoje, conclui que "o amor não seria um fenômeno psicológico nem um fenômeno físico ou espiritual, mas um elo bem mais forte, inscrito no ser mais profundo do homem, uma vez que o constitui como homem. Poderíamos dizer que o amor é ontológico".
Mas não param em Aristófanes as referências aos andróginos. Na Babilônia, o deus Lua Sinn era invocado como "Ó, Mãe-Útero, geradora de todas as coisas, Ó, Piedoso Pai que tomou sob seus cuidados o mundo todo".
Assim como T'ai Yuan, mulher sagrada de antigos mitos chineses, conjugava Yang (o princípio masculino) e Yin (o princípio feminino). No taoísmo, os princípios se unem para formar o Tao manifesto.
No budismo há representações andróginas de Bodhisattva no Tibet e na Índia. No hinduísmo, Shiva e Shakti, os primeiros deuses de certas versões da cosmogênese hindu, formavam, no início, um só corpo, na manifestação chamada Ardhanarisha, o "Senhor Meio Mulher".
Entre os antigos persas, Meshia e Neshiane formavam um só indivíduo. "Ensinavam também que o homem era produto da Árvore da Vida e crescia em pares andróginos, até que estes pares foram separados devido a uma subsequente modificação da forma humana".
No Talmud e no Zohar a androginia também está explícita: O nome Adão foi compreendido como englobando macho e fêmea. "A fêmea estava atada ao lado do macho e Deus mergulhou o macho em um profundo torpor e ele ficou estendido sobre o terreno do Templo. Então Deus separou-a dele e paramentou-a como uma noiva".
No Gênesis, aparece de forma mais implícita: "E Deus criou o homem à sua imagem, na Divina imagem Ele os criou; macho e fêmea os criou". A mais respeitável obra judaica sobre a interpretação do Gênesis, o Midrasb Rabbah, diz textualmente: "Quando o Sagrado, Abençoado seja Ele, criou o primeiro homem, Ele o criou andrógino".
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